Câmara aprova proibição total de voto para todos os presos, incluindo provisórios, em alteração à Constituição de 1988

nov

21

Câmara aprova proibição total de voto para todos os presos, incluindo provisórios, em alteração à Constituição de 1988

A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, 18 de novembro de 2025, uma emenda que muda radicalmente o direito eleitoral no Brasil: todos os presos, mesmo os que ainda não foram condenados, perderão automaticamente o direito de votar. A decisão, com 349 votos a favor, 40 contrários e uma abstenção, altera dois artigos do Código Eleitoral Brasileiro e entra em conflito direto com a Constituição Federal de 1988, que desde então garante o voto aos presos provisórios — aqueles que aguardam julgamento e ainda gozam da presunção de inocência. A proposta, apresentada pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), foi incorporada ao substitutivo do relator Guilherme Derrite (PP-SP) no Projeto de Lei Antifacção. O texto agora segue para o Senado Federal, onde enfrentará um novo teste — e provavelmente uma batalha jurídica sem precedentes.

Uma mudança que desafia a presunção de inocência

Até agora, a regra era clara: só quem tinha sentença definitiva — transitada em julgado — perdia o direito de votar. Isso significava que mais de 6.000 pessoas presas sem condenação final puderam votar nas eleições municipais de 2024, conforme confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Justiça Eleitoral mantinha seções especiais dentro de presídios, garantindo que o voto fosse acessível. Mas agora, a emenda muda tudo. O novo texto determina que “os presos não podem ser eleitores” e obriga a Justiça a cancelar imediatamente o título de qualquer pessoa detida, mesmo que ainda não tenha sido julgada. É uma mudança radical. Em vez de punir quem foi condenado, ela pune quem ainda está sendo investigado. O princípio da presunção de inocência, que é pilar do Estado Democrático de Direito, passa a ser tratado como obstáculo à segurança pública.

O voto do PT e a sombra de Bolsonaro

O mais surpreendente não foi a aprovação, mas o voto do líder do Lindbergh Farias (PT-RJ). Ele votou a favor — e disse claramente por quê: “Vamos votar ‘sim’ sabendo que é inconstitucional.” A frase ecoou como um grito de alerta. Farias, que normalmente defende direitos civis, ironizou a motivação política da proposta: “Parece que o Partido Novo já abandonou Bolsonaro. Agora quer tirar o voto dele. Hoje acontece o seguinte: quem tem trânsito em julgado não vota. Agora, já estão querendo antecipar para a prisão provisória a fim de impedir o voto de Bolsonaro.” A insinuação não é nova. O ex-presidente Jair Bolsonaro responde a inquéritos e processos penais, e sua possível prisão preventiva é tema constante nos tribunais. Embora não haja confirmação oficial, o timing da proposta — meses após o fim do mandato dele — levanta suspeitas sobre sua intenção real. É uma mudança que, se aprovada, pode ser usada como ferramenta política, não apenas jurídica.

O pacote mais amplo: crime organizado e poder de controle

A emenda não veio sozinha. Ela é parte de um pacote de 17 medidas do Projeto de Lei Antifacção, que inclui aumento de penas, proibição de anistia para líderes de quadrilhas, apreensão antecipada de bens, e prisão obrigatória em presídios federais de segurança máxima. O objetivo declarado é combater organizações criminosas. Mas o que chama atenção é o alcance: o projeto não se limita a criminosos já condenados. Ele atinge quem é apenas investigado. Isso amplia o poder do Estado sobre a vida política de cidadãos que, por lei, ainda são inocentes. Juristas como Cláudia Ribeiro, professora de direito constitucional da Universidade de São Paulo, alertam: “A Constituição não prevê a suspensão do voto por prisão provisória. Essa emenda é uma violação formal. Se for aprovada, o STF terá que decidir entre o poder legislativo e a Carta Magna.”

As consequências práticas: eleições, títulos e justiça eleitoral

As consequências práticas: eleições, títulos e justiça eleitoral

O impacto imediato será enorme. Em 2024, mais de 6.000 presos provisórios votaram. Em 2026, esse número pode saltar para 20 mil — e todos perderão o direito. O TSE terá que cancelar automaticamente títulos assim que uma prisão for decretada, mesmo que a prisão seja contestada em recurso. Isso cria um risco de erro: alguém pode ser preso por engano, ou por uma ordem judicial equivocada, e perder o voto antes mesmo de ter chance de se defender. Além disso, o cancelamento automático desobriga a Justiça Eleitoral de qualquer análise individual. É um mecanismo burocrático que elimina o debate jurídico. E isso, dizem especialistas, é perigoso. “A democracia não se defende tirando o voto de quem está preso. Ela se defende garantindo que todos, mesmo os mais vulneráveis, tenham voz”, afirma o advogado Roberto Mendes, ex-procurador do TSE.

O que vem a seguir: o Senado e o Supremo

Agora, o projeto vai para o Senado Federal. Lá, a votação será mais lenta, com mais debates e, provavelmente, mais resistência. Mas mesmo que passe, a batalha não termina. O primeiro recurso será no Supremo Tribunal Federal (STF). O artigo 15 da Constituição é claro: só quem foi condenado em decisão transitada em julgado perde direitos políticos. Nenhum outro caso é mencionado. A emenda da Câmara tenta criar uma exceção sem autorização constitucional. Isso é, tecnicamente, um golpe na própria Carta. Se o STF anular a medida, será um triunfo da Constituição. Se aprová-la, será uma ruptura histórica — e abrirá a porta para outras restrições de direitos baseadas em prisões preventivas. A decisão do STF, em 2026, pode mudar o rumo da democracia brasileira.

Por que isso importa para você

Por que isso importa para você

Isso não é só sobre presos. É sobre quem decide o que é justo. Se o voto pode ser tirado por uma prisão provisória, o que impede que ele seja tirado por uma investigação? Por uma denúncia anônima? Por um político que não gosta de você? A democracia vive de regras claras. Quando elas são alteradas por motivações políticas — mesmo que disfarçadas de segurança —, todos perdem. Afinal, hoje é um preso. Amanhã, pode ser você.

Frequently Asked Questions

Por que a emenda é considerada inconstitucional?

A Constituição Federal de 1988, no artigo 15, só permite a suspensão dos direitos políticos para quem foi condenado em decisão transitada em julgado. A emenda proposta proíbe o voto de todos os presos, incluindo os provisórios — que ainda não foram julgados. Isso viola o princípio da presunção de inocência, que é cláusula pétrea. O STF já decidiu isso repetidamente desde 1988, e nenhuma lei pode mudar isso sem uma emenda constitucional, que exige 3/5 dos votos em dois turnos no Congresso.

Quantas pessoas seriam afetadas por essa mudança?

Em 2024, mais de 6.000 presos provisórios votaram. Com a nova regra, esse número pode subir para cerca de 20 mil em 2026, considerando o aumento de prisões preventivas em operações contra crimes organizados. Além disso, milhares de outros que estão em regime aberto ou semiaberto, mas ainda não condenados, também podem ser atingidos se forem presos preventivamente por qualquer motivo — mesmo que a acusação seja infundada.

O que o TSE vai fazer se a emenda for aprovada?

O TSE terá que cancelar automaticamente os títulos de eleitor de todos os presos assim que a prisão for decretada, mesmo sem julgamento. Isso significa que não haverá mais seções eleitorais especiais nas prisões, nem direito de recorrer. O cancelamento será feito por sistema, sem análise individual. Isso aumenta o risco de erros administrativos e violações de direitos, especialmente em casos de prisões ilegais ou por engano.

Há precedentes históricos de proibição de voto para presos provisórios no Brasil?

Não há. Desde a promulgação da Constituição de 1988, o voto de presos provisórios foi sempre garantido. Em 2012, o STF reafirmou isso em uma decisão unânime, dizendo que a prisão provisória não implica perda de direitos políticos. Antes disso, em 1998, o Tribunal Superior Eleitoral já havia criado o sistema de seções especiais em presídios para garantir esse direito. Nenhuma tentativa anterior de proibir o voto de presos não condenados chegou a ser aprovada em nível federal.

O que pode acontecer se o Senado aprovar a emenda?

Se o Senado aprovar, a emenda vira lei, mas será imediatamente questionada no STF. A expectativa é que o Supremo a suspenda por meio de uma liminar, como fez em 2020 com outras leis que violavam direitos fundamentais. Se o STF não agir, a crise institucional será profunda: o Congresso estará desrespeitando a Constituição, e o Judiciário perderá credibilidade. A democracia brasileira enfrentará seu maior teste desde 1988.

Essa mudança afeta apenas eleitores comuns ou também candidatos?

A mudança afeta diretamente os eleitores, mas também os candidatos. Qualquer pessoa presa provisoriamente e que esteja em processo de candidatura terá seu registro cancelado automaticamente, mesmo que ainda não tenha sido condenada. Isso pode impedir que políticos investigados — mesmo que inocentes — concorram a cargos públicos, criando um risco de purga política disfarçada de justiça eleitoral.