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14

- por Guilherme Oliveira
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O Irlandês: muito além do crime, um raio-X do sindicalismo nos EUA
Martin Scorsese não poupou detalhes para mostrar como o sindicalismo americano foi capaz de chegar ao seu auge — e também apoiar sua própria ruína. Em O Irlandês, a trajetória de Jimmy Hoffa é mais do que uma boa história policial: é o fio condutor para entender como os sindicatos dos Estados Unidos, especialmente os Teamsters (Sindicato dos Caminhoneiros), caminharam de um poder imenso até a decadência e suspeitas de corrupção. O desaparecimento misterioso de Hoffa, em 1975, virou uma espécie de marca final dessa época de ouro e queda meteórica.
Hoffa, carismático e influente, comandou o Teamsters entre 1957 e 1971, lidando com o dinheiro de aposentadorias de mais de um milhão de trabalhadores. Isso dava a ele poder para negociar melhores contratos, mas também fazia dele alvo de todo tipo de pressão — inclusive da máfia, que via nos fundos multimilionários uma mina de ouro para ampliar negócios nada claros. Todo esse poder centralizado permitia que o sindicato agisse quase como uma empresa à parte do próprio governo, criando oportunidades para desvios milionários e alianças perigosas. Quando Hoffa foi investigado e, mais tarde, desapareceu sem deixar pistas, o escândalo indicou fissuras profundas nesse modelo de sindicalismo cheio de brechas para abusos.
A estrutura sindical americana e as viradas da Guerra Fria
Os sindicatos americanos, lá atrás nos anos 1930, ganharam força com as reformas do New Deal sob o presidente Franklin D. Roosevelt. A ideia era proteger o trabalhador, apostando num sistema de unicidade sindical — bem parecido com o que existiu no Brasil. Na prática, isso criava entidades robustas, sempre com a bênção (ou interesse) do Estado. Mas, com o tempo, o jogo mudou. O grande marco foi a fusão entre AFL (um grupo mais conservador) e CIO (de perfil progressista) em 1956, formando a AFL-CIO e consolidando novas direções, mais alinhadas ao contexto político daquela época.
E como política internacional entra nisso? Após a expulsão de sindicatos comunistas do CIO, em 1949, os Estados Unidos ampliaram seu controle sobre o movimento sindical — não só por lá, mas também na América Latina. Com a fundação do American Institute for Free Labor Development (AIFLD), em 1959, o governo americano começou a treinar líderes sindicais da região para barrar avanços da esquerda e garantir aliados em meio à Guerra Fria. Essa ação tinha ligação direta com projetos como a Aliança para o Progresso, apoiada por Kennedy, deixando claro que o sindicalismo, nos bastidores, também era mais uma arma nos tabuleiros geopolíticos.
Com tantas reviravoltas, a função do sindicato americano — de proteção coletiva e voz política — se esvaziou. As denúncias de corrupção, os casos envolvendo a máfia e a interferência política minaram o movimento, deixando para trás uma estrutura marcada mais pela desconfiança do que pela força. No fundo, 'O Irlandês' não é só sobre gângsteres e sumiços lendários: é um olhar honesto sobre como os sindicatos, uma vez gigantes, acabaram presos em suas próprias armadilhas e nas disputas maiores do poder nos Estados Unidos.
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